Apresentação
+ Clique para ver o primeiro móduloAo desembarcar no Porto de Santos, porta de entrada dos que chegavam a São Paulo, os imigrantes judeus, homens, mulheres, crianças, pessoas das mais variadas idades e em diferentes condições, eram recebidos e acolhidos por um representante de uma entidade assistencial ou por um parente ou amigo da mesma localidade de origem.
A recepção no desembarque era um verdadeiro porto seguro para iniciar a nova vida. Após uma longa viagem de navio e um processo de emigração que envolvia despedidas dolorosas e, com frequência, riscos e fugas por meio de fronteiras, os imigrantes encontravam língua e cultura desconhecidas. Eram originários da Europa Oriental e da Rússia a partir da década de 1910; do Líbano e da Síria, nos anos 1920, e da Europa Central, principalmente Alemanha, nos anos 1930. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Brasil receberia sobreviventes do Holocausto e novas levas de imigrantes da Europa e do Oriente Médio.
A política imigratória brasileira combinou, desde o século 19, concepções e medidas que oscilaram entre abertura e fechamento, tolerância e racismo, a partir de ideias definidas sobre quais eram os imigrantes “desejáveis” e os “indesejáveis”. As portas do País estiveram abertas aos imigrantes judeus até a primeira metade dos anos 1930, mas houve um intervalo entre 1937 e 1945 em que circulares secretas antissemitas restringiram e impediram diretamente a entrada de imigrantes.
Esta exposição, cuja pesquisa documental e iconográfica foi realizada no Centro de Memória do Museu Judaico de São Paulo – principal acervo de documentação histórica da presença judaica no País –, destaca a rede de organizações que acolheram os imigrantes e que contribuíram para consolidar a própria comunidade judaica.
Roney Cytrynowicz
A imigração judaica a São Paulo começou a se adensar nos anos da Primeira Guerra Mundial. Cerca de 40 mil imigrantes entraram entre a década de 1910 e a primeira metade dos anos 1930. Para amparar cada um dos que chegavam em suas múltiplas necessidades, foram fundadas a Ezra e a Caria. A Ezra atuou entre os imigrantes da Europa Oriental e os do Oriente Médio e a Caria, entre os da Alemanha e também Áustria e Itália. Eram organizações que estruturavam a vida comunitária: a Ezra assumiu as vezes de entidade representativa dos judeus paulistanos e a Caria foi embrião da Congregação Israelita Paulista (CIP).
Sociedade Beneficente Amigo dos Pobres Ezra
“Quando eu cheguei, meu marido ainda não tinha uma casa onde morar e, como tinha muita imigração, a Ezra alugou uma casa bem grande que tinha salão para guardar a bagagem, escritório da diretoria e sala de reuniões e muitas senhoras da sociedade que ajudavam. A Ezra apoiava nos primeiros tempos até que eles começavam a trabalhar.
Comissão de Assistência aos Refugiados Israelitas da Alemanha – Caria
Em 1933, logo após a ascensão do nazismo ao poder na Alemanha, milhares de judeus alemães chegaram a São Paulo. Eram, em geral, pessoas com profissões e negócios estabelecidos, profundamente identificados com a cultura alemã e que nunca imaginaram deixar aquele país.
Os imigrantes eram homens e mulheres de várias idades, muitos idosos, mas também crianças e jovens. A assistência à infância zelava pela saúde e bem-estar das crianças cujas famílias não tinham condições materiais ou estrutura para tal, garantia às mães e aos familiares a possibilidade de trabalhar e também cuidava de crianças doentes e órfãs. A comunidade judaica manteve a Gota de Leite e dois diferentes lares para crianças, na década de 1930, que se complementavam: Lar das Crianças das Damas Israelitas e Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista.
Gota de Leite da B´nei B´rith
“Pelo que nós vimos no trabalho da Cruzada Pró-Infância, achamos que seria muito necessário, possível e útil um trabalho no Bom Retiro. Começamos em um único quarto a fazer o que era necessário: pesar crianças, distribuir remédios, às vezes era necessário transferir para um serviço público.
Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista (CIP)
“Educar, para nós, significa defender as crianças contra as injustiças do mundo e fortalecê-las na busca de sua identidade e do sentimento de pertencer à família e à comunidade.
Lar das Crianças das Damas Israelitas
Seguindo os passos dos pais, Bertha e Maurício Klabin, Luiza Klabin, nascida em 1901, se dedicou às causas assistenciais na comunidade judaica. Bertha, nascida na Rússia, foi uma das fundadoras da Sociedade das Damas Israelitas e Maurício, originário da Lituânia e industrial fundador do grupo Klabin, o doador do terreno do Cemitério Israelita da Vila Mariana, entre inúmeras outras ações.
Mulheres imigrantes foram muito ativas na criação de instituições de acolhimento para a comunidade em geral e, em particular, para outras mulheres e para as crianças. O amparo a mulheres grávidas foi o principal objetivo da fundação da Sociedade Beneficente das Damas Israelitas, em 1915, nos primórdios da imigração a São Paulo. Duas décadas e meia depois, em 1940, as Damas, o seu Lar das Crianças e a Gota de Leite se uniram para formar a Organização Feminina Israelita de Assistência Social – Ofidas –, dirigida por mulheres e voltada às necessidades e preocupações das mulheres e das crianças.
Sociedade Beneficente das Damas Israelitas
As Damas Israelitas, como eram conhecidas, prestavam auxílios mais urgentes, como assistência às parturientes, pagando suas despesas médicas e hospitalares por ocasião do parto e fornecendo os primeiros cuidados aos recém-nascidos.
Organização Feminina Israelita de Assistência Social – Ofidas
A Ofidas foi fundada por mulheres com a preocupação de compreender as necessidades de suas assistidas a partir da perspectiva da mulher, da criança e da família. Com isso, a ação da Ofidas a diferenciava da Ezra e a complementava.
O gigantesco esforço que conjugava a emigração e a busca de destinos para os imigrantes envolvia negociar com governos de diferentes países, providenciar documentação e passagens, uma viagem segura e contatos nos locais de chegada. Diversas organizações dos Estados Unidos, da Europa e da América do Sul uniram esforços, estabelecendo uma rede que lidava com as questões globais e locais.
As organizações de imigração e assistenciais internacionais atuaram também diretamente no Brasil. A Ezra trabalhou em coordenação com outras entidades de auxílio aos imigrantes, como a Jewish Colonization Association (JCA), a Hebrew Imigrant Aid Society (Hias) e a Emigdirect. A Caria, por sua vez, trabalhava em contato com a Hias, com a Hilfsvereindeutscher Juden, de Berlim, e depois também com o Joint, que apoiou a fundação do Lar das Crianças da CIP.
Jewish Colonization Association (JCA)
“Então um belo dia apareceu em nossa cidadezinha, na Lituânia, um tal de Dr. Mirkin, alto funcionário da JCA, para procurar quem se interessava em emigrar para o Brasil, informando que a JCA tinha terras no Brasil; isso foi em 1926. O meu pai, que era da comissão da Leischparkasse [Caixa de Empréstimos], casualmente o ouviu expor essa ideia.
Joint
“O Joint estava tirando judeus da Bessarábia, então um representante foi lá procurar famílias que queriam vir para o Brasil. Quem sabia o que era o Brasil? Quando chegamos ao Rio fomos parar na Ilha das Flores. Ficamos oito dias lá até que veio o pessoal do Joint, nos trouxe para o Rio e deram para nós um quarto.
Hebrew Immigrant Aid Society (Hias)
“Em quatro, cinco dias de mar chegamos em Nápoles e não sabíamos nada do que aconteceria. O pouco dinheiro não dava para viver nem uma semana. Foi uma surpresa, o navio atracou e, quando olhamos para baixo, vimos uma pessoa com Maguen David no braço e chamaram a família Bousso! Todos juntos fomos recebidos pelo representante da Hias.
Hilfsverein Deutscher Juden
A Hilfsverein Deutscher Juden, fundada em Berlim em 1901, auxiliava os imigrantes judeus da Europa Oriental e, depois, apoiou a emigração dos judeus alemães entre 1933 e 1939
A comunidade judaica cuidou da saúde dos imigrantes e de seus integrantes por meio de consultas médicas, fornecimento de medicamentos, procedimentos ambulatoriais e também apoio a cirurgias e internações hospitalares. As principais entidades que prestavam auxílio direto de saúde eram a Policlínica Linath Hatzedek e o Sanatório de Tuberculosos da Ezra, outras entidades assistenciais também realizavam apoio pontual nesse campo. Para a população em geral, as necessidades de saúde, hospitalares, médicas e de medicamentos eram supridas pelas Santas Casas e hospitais privados e ligados a ordens religiosas, além dos pertencentes a sindicatos e caixas de previdência.
Sociedade Beneficente Policlínica Linath Hatzedek
Consultas médicas e pequenos procedimentos tinham na Sociedade Beneficente Linath Hatzedek, conhecida como Policlínica, fundada em 1929 no bairro do Bom Retiro, uma referência para os imigrantes. Funcionando como ambulatório de saúde, também eram distribuídos medicamentos e realizados radiografias e exames de laboratório.
Sanatório Ezra para tuberculosos
“A tuberculose, no Rio de Janeiro, mata mais gente do que todas as epidemias juntas; as outras epidemias aparecem, fazem muitas mortes, depois acabam, mas a tuberculose mata o ano inteiro, sem cessar um dia”
As crianças imigrantes encontravam na escola o ambiente para sua inserção no País que as recebia: aprendiam português, estudavam a história e a geografia do Brasil, encontravam outras crianças e ganhavam autonomia para encontrar seu caminho próprio na sociedade, sem a tutela dos adultos. As primeiras escolas judaicas fundadas em São Paulo participavam da acolhida às crianças imigrantes e aos filhos dos recém-chegados. Não eram propriamente entidades assistenciais, mas cumpriam esta função ao receber inclusive os que não podiam pagar. As escolas também preparavam os jovens para trabalhar e ofereciam cursos profissionalizantes.
Colégio Renascença
“As turmas eram pequenas, com cerca de 20 alunos, e havia uma classe para cada ano. Os alunos eram pobres, muito carentes. A escola lutava com muitas dificuldades para se manter e mesmo para pagar os salários dos professores, que às vezes atrasava”
Outras escolas
“Nos dias de Rosh Hashaná de 1937 sempre tinham aqueles senhores que iam fazer discurso depois da reza, subiam na bimá, diziam que precisávamos de escola, muitas crianças no Brás não tinham onde estudar.
Encontrar trabalho era uma preocupação essencial dos imigrantes ao chegar ao Brasil. As entidades assistenciais atuavam fortemente neste campo, porque era o trabalho que, ao garantir o sustento e a autonomia dos recém-chegados, permitiria às próprias entidades cuidar de outros que chegavam continuamente. Este apoio podia ser um auxílio para se manter enquanto se procurava uma ocupação, uma busca ativa por meio de agências e contatos com empresas ou, ainda, um empréstimo para, por exemplo, mascatear ou iniciar um pequeno negócio.
Cooperativa de Crédito do Bom Retiro
“Eu acho que o mérito principal da Cooperativa é que era um banco voltado para a coletividade, onde pessoas que tinham poucos recursos, mediante um bom fiador (também às vezes não era tão rico), conseguiam empréstimos para tocar a sua vida. Isso era uma coisa que não existia na época.
Bureau de Trabalho da Caria e da Ezra
Em 1º de março de 1928, o casal de imigrantes poloneses Fishel e Chaia – com os filhos Michel, Wolff, Ettla e Ida, com idades entre 4 e 11 anos – chegou ao porto de Santos, onde foi recebido por um representante da Ezra.
O amparo aos imigrantes da terceira idade logo se tornou uma necessidade na comunidade judaica, inclusive porque muitos, homens e mulheres, já não eram jovens ao chegar ao País, perderam a família na guerra e ficaram sozinhos. Uma entidade foi fundada nos anos 1930 para ser ao mesmo tempo um lar aos que não tivessem mais autonomia para viver sozinhos e um abrigo aos idosos que necessitassem.
Asylo dos Velhos
O Asylo dos Velhos, fundado em 1937, logo se tornou um orgulho na comunidade ao simbolizar os cuidados com os imigrantes idosos. Passaram a viver ali os que queriam compartilhar esta etapa da vida e necessitavam de algum tipo de apoio de saúde ou financeiro.
Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, refugiados e imigrantes chegaram ao Brasil e a São Paulo e, além das entidades já existentes, novas organizações surgiram para apoiar os recém-chegados. Eram sobreviventes do Holocausto que vieram após 1945 e, depois, imigrantes do Egito, da Hungria, da Síria e do Líbano, entre outros. A comunidade judaica estava muito mais estruturada, mas os esforços requeridos para receber e integrar os novos integrantes foram igualmente expressivos.
Federação Israelita do Estado de São Paulo – Fisesp
Desde sua fundação em 1946, a Federação Israelita do Estado de São Paulo trabalhou para receber os imigrantes e refugiados, estabelecendo um Conselho de Assistência Social, um Serviço Social de Imigrantes e coordenando a ação com outras organizações. Primeiro chegaram milhares de sobreviventes do Holocausto.
Centro Israelita de Assistência ao Menor – Ciam
“Dois fatores contribuíram muito para o sucesso do Ciam: a qualidade dos voluntários que o fundou e a separação, desde o início, entre os voluntários e a equipe técnica. Já no primeiro estatuto estavam claramente divididas as tarefas voluntárias (administrativas e financeiras) e as atribuições da comissão técnica.
Oficina Abrigada de Trabalho – OAT
A Oficina Abrigada de Trabalho – OAT – foi criada pela Hebrew Immigration Association Service (Hias) e transferida em 1956 para a Liga Feminina Israelita do Brasil, que passou a atender pessoas com deficiência intelectual e física.
Diretor Executivo
Felipe Arruda
Diretora de Acervo e Memória
Roberta Sundfeld
Diretora de Comunicação
Marilia Neustein
Diretora de Curadoria e Participação
Ilana Feldman
Coordenação
Gerente de Projetos do Centro de Memória do Museu Judaico de São Paulo
Linda Derviche Blaj
Curadoria
Roney Cytrynowicz
Pesquisa Histórica e Iconográfica
Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História
Monica Musatti Cytrynowicz
Projeto Gráfico
Zoldesign
Equipe do Centro de Memória do Museu Judaico de São Paulo
Maria Theodora Falcão Barbosa (Coordenadora de acervo)
Leonardo Nogueira Vitulli (Arquivista)
Anna Giulia Pereira (Estagiária)
José Messias Ribeiro Santos (Zelador)
Programação
Ex-Libris Comunicação Integrada
Ricardo Villar Martins
Antonio Carlos Oliveira Santos
Revisão de Texto
Mariangela Paganini
Digitalização de Imagens
Julia Thompson