Fazer um recorte em um acervo de documentos pode ser comparável a puxar o fio da meada de um novelo. Escolhas são feitas, deixando algumas coisas para trás. O conjunto de documentos e fotos que compõem o acervo do Centro de Memória do Museu Judaico de São Paulo – CDM é enorme e permite diversas leituras. Neste momento, revelamos uma parte das histórias femininas que ali encontramos. De papel fundamental perante a lei judaica, é a mulher que transmite a descendência.
A Bíblia hebraica traz personagens femininos fortes e decididos. São mulheres inteligentes e corajosas, assim como as que fazem parte desta exposição: a premiada escultora Felícia Leirner, que tem um conjunto de obras em Campos do Jordão; a pesquisadora Frieda Wolff, autora de mais de 40 livros, cujo trabalho aborda a história da comunidade judaica no Brasil; a atriz Daniella Weil Stransky, com carreira no Brasil e Panamá, contada por meio de documentos doados que representam, ainda, a história de sua família; a jornalista Berta Kogan, idealizadora da revista Brasil-Israel, publicada de 1949 a 1992, e a escritora Trudi Landau, que iniciou sua trajetória enviando cartas aos jornais, revelando-se uma bem humorada cronista.
Pela primeira vez, montamos uma exposição que já nasce virtual.
Berta Kogan veio da Bessarábia, atual Moldávia, para o Brasil em 1921, fugindo da perseguição aos judeus. Da travessia que durou três meses, relatou as péssimas condições. Quando o navio se aproximou da costa brasileira, disse: “… sonhava com um país que tivesse sol”. Aos poucos, ela e sua família se integraram ao novo lar. Ainda que recorde de ataques de xenofobia sofridos durante o Estado Novo: “Estava em uma fila, aguardando um ônibus e, diante da demora, ouvi: É culpa dos judeus, que ocuparam Copacabana”. Após a Segunda Guerra e com a criação do Estado de Israel, Berta realizou seu maior desejo – a fim de propagar o ideal socialista e sionista – e fundou a histórica revista Brasil-Israel, publicada ao longo de quatro décadas.
Daniella é filha do casal francês Rene Weil e Suzanne Wormser. Quando sua mãe chegou ao Brasil, dava aulas de canto e, anos depois, abriu uma escola de música. A filha, então, se encaminhou para o universo das artes, dedicando-se a cursos de canto e ballet. Mais tarde, frequentou a Escola de Sociologia e Política e também a Escola de Arte Dramática. Formada, contracenou com atores como Walmor Chagas e Ítalo Rossi e foi dirigida por Procópio Ferreira. Com o casamento, foi morar no Panamá, onde reside ainda hoje, consolidando sua carreira de atriz, com mais de 60 peças teatrais.
Com o avanço do antissemitismo na Polônia, Felícia veio para o Brasil em 1927. Em 1948, descobriu a arte como missão de vida, tornando-se aluna de Victor Brecheret, com quem participou de vários projetos, incluindo o Monumento às Bandeiras. Em 1953, a artista se considerava pronta para expor, envolvendo-se intensamente com as Bienais. Em 1963, recebeu o prêmio de melhor escultora do Brasil e, em 1965, mereceu uma sala especial na Bienal. De 1967 a 1973, destacou-se com obras de grande porte. Com a morte do marido, a artista se isolou em Campos de Jordão, cidade que abriga o Museu Felícia Leirner, inaugurado em 1979 e onde estão reunidas 85 de suas obras, distribuídas ao ar livre em uma área de 35 mil metros quadrados.
Com a ascensão do nazismo, Frieda saiu da Alemanha e chegou ao Brasil em fevereiro de 1936, com seu marido, Egon Wolff, com quem se casara dois anos antes. Juntos, produziram uma extensa pesquisa sobre a presença dos judeus no Brasil. Sua obra inclui títulos como “Breve Histórico da Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo”, “Sepulturas de Israelitas”, “Judeus no Brasil Imperial” e “Judeus nos Primórdios do Brasil República”. Ao todo, foram 44 livros entre 1975 e 1996 e cerca de 200 artigos publicados em jornais e revistas, além de mais de 100 palestras. O material coletado ao longo de seu trabalho se encontra preservado no Centro de Memória do Museu Judaico e oferece base de estudos para pesquisadores de várias áreas.
Gertrude Landau, Trudi, passou a infância em Opladen, cidade com poucos judeus na Alemanha. Durante a 2ª Guerra Mundial, conheceu Jean Landau, em Nice, com quem casou e veio para o Brasil, grávida, em 1945. Em São Paulo, trabalhou como secretária multilíngue até 1973, quando perdeu seu único filho. Por gostar de escrever, passou a enviar cartas aos jornais e também para escritores com quem mantinha uma “amizade postal”. Entre eles, Carlos Drummond de Andrade, para quem chegou a enviar cerca de 500 cartas, as quais se encontram atualmente no acervo do Centro de Memória do Museu Judaico de São Paulo. Também foi colunista no Notícias Populares, destacando-se como ativista de direitos humanos, em especial no episódio do assassinato do jornalista Vladimir Herzog.
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